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Transições de fase
A água pode congelar de líquido para gelo sólido ou ferver em um gás.
Na geladeira ou no fogão, essas "transições de fase" são abruptas, com uma descontinuidade clara entre os dois estados envolvidos.
Mas é possível "suavizar" essa natureza descontínua controlando a pressão.
Sob a liderança do professor Júlio Larrea, do Instituto de Física da USP, uma equipe internacional descobriu agora que acontece quase a mesma coisa - um pouquinho mais complicado - em materiais quânticos magnéticos.
E a descoberta tem grande interesse para a fabricação dos qubits dos processadores quânticos.
Transições de primeira ordem
Na chaleira, a água ferve a 100 ºC e sua densidade muda drasticamente, dando um salto descontínuo do líquido para o gasoso. Porém, se aumentarmos a pressão, o ponto de ebulição da água também aumenta, até uma pressão de 221 atmosferas, quando ela irá ferver a 374 ºC.
Nesse ponto, porém, acontece algo estranho: O líquido e o gás se fundem em uma única fase. Acima desse "ponto crítico", não há mais transição de fase, ou seja, se você controlar a pressão, a água pode ser guiada para o líquido ou para o gás sem nunca passar por uma transição.
Em torno do ponto crítico, as propriedades físicas da água apresentam comportamentos anômalos porque as flutuações de densidade se encontram infinitamente correlacionadas, na escala do comprimento atômico. Isso faz com que o material manifeste um estado único, bem diferente do gás e também do líquido.
O que os físicos descobriram agora é que há uma versão quântica dessa transição de fase da água justamente em um material muito importante tecnologicamente, um antiferromagneto quântico conhecido como SCBO [SrCu2(BO3)2].
A diferença é que essa "fervura quântica" não envolve partículas, como moléculas, átomos e nem mesmo elétrons: O que está envolvido aqui são sistemas sem massa, mais especificamente um sistema formado puramente por spins, que são manifestações magnéticas da matéria.
Diagrama de fase do sistema de spins, mostrando o início da transição de fase de primeira ordem no zero absoluto. A transição de primeira ordem termina no ponto crítico, análogo ao do diagrama da água. No entanto, no sistema de spins emerge um novo estado ordenado, puramente quântico e fortemente correlacionado - o estado antiferromagnético.
Os antiferromagnetos quânticos são especialmente úteis para entender como os aspectos quânticos da estrutura de um material afetam suas propriedades em larga escala - por exemplo, como os spins dos seus elétrons interagem para fazer com que um material seja um ímã.
O SCBO também é um ímã "frustrado", o que significa que os spins dos seus elétrons não conseguem se estabilizar em uma estrutura ordenada, eles ficam como que flutuando entre alguns estados exóticos. Essa frustração magnética é altamente interessante porque ela gera materiais com propriedades muito particulares.
Os pesquisadores controlaram a pressão e o campo magnético aplicados a amostras de miligramas de SCBO. "Isso nos permitiu olhar tudo em torno da transição de fase quântica descontínua e, dessa forma, nós descobrimos a física do ponto crítico em um sistema de spin puro," explicou o professor Henrik Ronnow, membro da equipe.
Assim como a água, o material magnético apresenta uma característica de "sugar a energia". Por exemplo, a água absorve apenas pequenas quantidades de energia a -10 ºC, mas entre 0 ºC e 100 ºC ela pode absorver grandes quantidades conforme cada molécula é conduzida através das transições de gelo para líquido e de líquido para gás.
Assim como a água, a relação pressão-temperatura do SCBO forma um diagrama de fase mostrando uma linha de transição descontínua, que separa duas fases magnéticas, com a linha terminando em um ponto crítico.
"Agora, quando um campo magnético é aplicado, o problema se torna mais rico do que com a água," disse Frederic Mila. "Nenhuma das fases magnéticas é fortemente afetada por um campo fraco, de forma que a linha se torna uma parede de descontinuidades em um diagrama de fase tridimensional - mas então uma das fases se torna instável e o campo ajuda a empurrá-la para uma terceira fase."
A linha de transição de fase no sistema quântico fica tridimensional. Uma das fases se torna instável e o campo ajuda a empurrá-la para uma terceira fase.
Spintrônica e computação quântica
"Nossos resultados mostraram manifestações inesperadas nas transições de fase quântica em sistemas puramente de spins. Primeiro, observamos que uma transição de fase quântica ocorre entre estados de spins emaranhados de dois tipos diferentes: dímeros [spins correlacionados em dois sítios atômicos] e plaquetas [spins correlacionados em quatro sítios atômicos].
"Também observamos que esse ponto crítico apresenta uma descontinuidade na densidade de partículas magnéticas, com tripletos ou estados correlacionados em diferentes configurações de orientação de spin, que é responsável pela emergência de um estado antiferromagnético puramente quântico," explicou Larrea.
Entender esses materiais e seus comportamentos é crucial para a criação de qubits menos sujeitos a erros para os processadores quânticos, uma vez que materiais antiferromagnéticos podem gear qubits controlados com luz.
"Os rumos atuais no [campo do] magnetismo quântico e da spintrônica requerem interações altamente anisotrópicas em termos de spin para produzir a física das fases topológicas e qubits protegidos, mas essas interações também favorecem as transições de fase quântica descontínuas," disse o professor Ronnow.
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